Monstro Avesso


Desde o dia em que pela primeira vez o olhou nos olhos, Hellah tentou fugir. Em vão, pois que olhos dele sempre a perseguiram, aterrorizaram e amedrontaram, aonde quer que ela fosse, onde quer que estivesse... Mesmo em seus sonhos  ou talvez especialmente neles.

Hellah não sabia que olhos dela também o assombravam.

É que havia um monstro naqueles olhos. Nos olhos que eram os dele e nos olhos que eram os dela. Metade de monstro em cada  nele e nela. Metades ferozes, desesperadas por se reencontrarem, mais ainda depois que viram-se e reconheceram-se em metades.

Ele queria favorecer o encontro, ansiava por enfrentar o monstro que habitava metade em si e metade nela. Hellah temia – e fugia. Sabe-se lá o que poderia acontecer se aquelas metades de monstro se unissem em um só. Hellah temia sentir o que pressentia nunca saber explicar, que nem tinha nome nem tamanho nem limites nem fim. Hellah negava sua parte de monstro – e fugia.

E tal foi o esforço dela – vão – em tanto fugir daquele monstro – que era parte dela – que, quando precisou de forças para enfrentar perigos outros que a vida ofertava, nem tinha mais. E, quando olhos dele enfim a encararam de novo, Hellah foi nem mais capaz de fugir nem muito menos resistir.

Foi assim que olhos dele e olhos dela brilharam nas mesmas cores e as metades do monstro que eram puderam libertar-se, prendendo Hellah e ele para sempre em laços infinitos do que ainda não foi inventado – posto que sempre existiu ali, do lado de dentro de si.