Os Lobos


Após três dias de caminhada praticamente ininterrupta, nosso cansaço era tanto que decidimos acampar por ali mesmo. De acordo com nossos cálculos, faltavam apenas algumas centenas de metros para chegarmos ao Grande Rio, mas estávamos exaustos demais. Era preciso recarregar as energias. Alcançaríamos nosso objetivo com facilidade no dia seguinte, quando acordássemos de um sono de, no mínimo, umas doze horas.

Havia três dias saíramos de casa, logo nas primeiras horas da madrugada, com o objetivo de conhecer o Grande Rio. Estávamos de férias, tínhamos muito tempo e energia para gastar nessa aventura. Queríamos curtir ao máximo a bela e boa Mãe Natureza, afinal, estávamos mesmo precisando relaxar, desligar a cabeça dos velhos problemas impostos pela civilização.

Durante esses três dias, caminhamos tranquilamente, mas sem parar, pois queríamos chegar logo ao Grande Rio e pescar durante dias e dias. Colhemos frutas frescas nas árvores do caminho e as saboreamos ao som agradável dos pássaros e do vento. Caçamos pequenos animais e fizemos singelos banquetes antes de dormirmos quatro horas por noite. Dormimos pouco, mas andamos muito e aproveitamos tudo o que a paisagem e o ambiente nos ofereciam. Sabíamos que, com um pouco de sorte, encontraríamos mel silvestre e invertebrados exóticos. Fotografamos tudo até ali, sob os mais diversos ângulos, e pretendíamos tirar tantas fotos quantas fossem necessárias para eternizar cada minuto daquele passeio.

Tudo estava perfeitamente planejado e calculado, mas algo havia que incomodava-me desde o início desta história: os lobos. Segundo relatos de habitantes do vilarejo mais próximo, havia naquela região, do outro lado do Grande Rio, uma estranha raça de lobos brancos selvagens. Por motivo desconhecido qualquer, eles reproduziam-se mais do que o normal e, com o passar do tempo, a comida foi tornando-se escassa. Passaram a atacar lenhadores, caçadores e turistas que cometiam o atrevimento de cruzar o Grande Rio e, desde então, os lobos viciaram-se em carne humana.

A última pessoa que vimos antes de entrar na floresta foi uma velhinha cega e esquálida que parecia ter a idade da Terra. Ela fez o sinal da cruz três vezes antes de dizer que, depois que o primeiro lobo atacou o primeiro ser humano, ninguém que entrou por aquelas trilhas conseguiu sair para contar o que viu. Estremeci de pavor e senti os pelos do meu corpo eriçarem-se de imediato. A velhinha parece ter percebido, pois procurou minhas mãos e apertou-as carinhosamente, murmurando uma bênção. Depois, tratou de tranquilizar-me, garantindo que não correríamos perigo algum se ficássemos do lado de cá do Grande Rio, pois os lobos jamais conseguiriam nadar em águas tão profundas.

Foi essa informação que trouxe-me de volta o ânimo para encarar aquela aventura, mas a simples existência daqueles lobos apavorava-me. Durante o trajeto, ouvíamos um uivo de vez em quando, distante o suficiente para não assustar alguém que já não estivesse sentindo suficiente pavor. Se aquela senhora não tivesse garantido ser impossível haver lobos daquele lado do rio, eu juraria que um desses bichos acompanhava-nos escondido em algum lugar da mata que margeava a trilha.

Quando eu ouvia esse uivo, os pelos da minha nuca arrepiavam-se e eu pensava que era uma espécie de provocação penetrar em terras que aqueles lobos habitavam. Precisávamos prosseguir, no entanto, e foi o que fizemos.

Já havíamos nos deitado em nossos sacos de dormir e conversávamos sobre nosso passeio. Certamente comeríamos peixe no almoço do dia seguinte. Eu tentava convencer-me de que não havia motivos para ter medo, mas os uivos pareciam menos esparsos agora e já não estavam mais tão distantes. Um estranho farfalhar na mata, como se não estivéssemos a sós por ali, fazia-me lembrar de que estávamos já perigosamente perto do território dos lobos.

Foi quando um uivo longo e aparentemente bem próximo interrompeu nossa conversa, provocando um arrepio desagradável e inesquecível na minha espinha. Agradecemos aos céus por haver um rio bem fundo que nos protegia daqueles monstros e decidimos nos ajeitar e dormir. Devido ao cansaço da longa jornada, não demoramos a cair em sono profundo.

Pouco antes da meia-noite, uma sucessão de sonhos assustadores e angustiantes despertou-me e, a partir daí, não pude dormir mais. Resolvi andar um pouco, explorar os arredores para tentar desacelerar meus batimentos cardíacos. Os uivos eram mais constantes agora, assim como os arrepios da minha espinha. Não havia dúvidas de que os lobos estavam bem perto. Eu só continuei a caminhar porque sabia que havia um leito de rio bem fundo entre mim e os lobos. Eles jamais chegariam até mim.

Tais eram meus pensamentos quando desci por um acentuado declive e cheguei a uma parte diferente do terreno, num nível uns 10 metros inferior ao barranco. O solo era úmido, pegajoso, a lama engolia meus pés e dificultava a marcha. Havia poças de água barrenta espalhadas aqui e ali. Eu diria que era um pântano meio seco pela estiagem, não fosse a ausência daqueles arbustos com raízes aéreas retorcidas acima da lama.

Na verdade, agora eu reparava que havia árvores frondosas no topo do declive, sem frutos e com as folhas meio amareladas. Mais um uivo, desta vez bem próximo, fez-me olhar em volta e perceber que o barranco por onde desci não era um trecho de terra desmoronada pela erosão, como eu havia pensado. Após observar atenciosamente o lugar, vi que do lado oposto ao que eu desci, também havia um barranco e ambos seguiam paralelamente até onde a vista alcançava. Havia árvores dos dois lados, formando um estranho corredor largo e rebaixado ou, talvez, o leito de um rio bem fundo... Imaginei que o topo dos barrancos, enfeitados de árvores amarelentas, eram as margens de um grande rio que havia muito estava secando. Grande Rio! Ali era o leito do Grande Rio que deveria nos proteger dos lobos!

Tomada de pavor, caminhei às cegas à procura de um lugar que permitisse-me subir de volta, mas a terra desmoronava a cada uma das minhas tentativas de escalar o declive. Logo avistei um lobo branco no meio do leito seco do Grande Rio e seus uivos paralisaram-me – imediata e completamente. A mata movimentava-se e os uivos multiplicavam-se. Parecia haver muitos lobos por ali, inúmeros, infinitos. Dois deles juntaram-se ao primeiro que vi, depois mais dois e vários outros que desciam pelo barranco. Eles chegavam devagar e ajuntavam-se em pequenos grupos, como se estivessem reunindo-se para uma grande festa. Ouvi um barulho atrás de mim e virei-me, pedindo ao cosmos que aquilo não estivesse acontecendo; mas estava: os lobos desciam também por aquele lado, deixando-me dentro de um cerco irremediável.

Mal tive tempo de preocupar-me com meu amigo que dormia na barraca, a alguns metros dali. O que aconteceria com ele? Aliás, o que aconteceria comigo? Por que eu estava ali? Eu sabia que havia lobos famintos por aquelas bandas, então por que aventurei-me até aquele ponto? A essa altura, eu via uma enorme multidão branca aproximando-se por todos os lados. Os pelos da minha nuca estavam eriçados e os uivos causavam-me arrepios cada vez mais desagradáveis na espinha.