De 5 em 5


Após horas e horas esmolando pelas ruas de cidade grande qualquer, o homem conseguiu arrecadar somente 1 real e 95 centavos da bondade das pessoas. Achou que era pouco demais pelo trabalho que tinha – de andar tanto e ter que sujeitar-se à condição humilhante de pedição.

Sentou-se num banco de praça e matutou por muito tempo, em busca de solução para seu dilema. Não pretendia procurar trabalho, também não gostava da ideia de apossar-se do que fosse alheio, mas não podia viver de esmolas que lhe rendiam tão pouco. Tantas moedas no bolso e elas nem mesmo somavam 2 reais. Se tivesse os 2 reais inteiros, poderia trocar as moedas por uma nota, que não tilintaria em seus bolsos em barulho tão mesquinho de moedas que chocam-se.

Foi daí que surgiu a brilhante ideia na mente do homem. Entrou no primeiro boteco que viu pela frente e pediu:

— Seu moço, tenho aqui 95 centavos em moeda e ainda muito chão há que se andar pela frente. Sinto até medo de alguma delas perder-se por esses caminhos sem eu nem ter tempo de perceber. Será que o senhor podia arredondar para mim e trocar esses 95 centavos em moeda por 1 real em nota?!

Por achar honesto o pedinte e talvez também para livrar-se daquela criatura em seu estabelecimento, o comerciante topou a troca, de modo que o plano acabava de obter resultado positivo.

No boteco seguinte, o homem pegou mais 95 centavos das outras moedas que havia conseguido e aplicou o mesmo golpe, obtendo resultado idêntico ao anterior. Depois trocou os 2 reais em notas por moedas e fez novas tentativas de trocá-las por notas em arredondamento. Em nenhuma delas responderam-lhe com negativas. Segundo seus cálculos, portanto, acabava de ganhar a vida, literalmente (?!).

Daí em diante, tudo viraram flores em vida dele. Se jamais fora ambicioso ou materialista, não seria agora que começaria a alimentar sonhos de riqueza. Não precisava de bens quaisquer que fossem, não precisava de lazer nem de cultura. Do que precisava era apenas comida, algumas roupas em condições razoáveis de uso e passagens de ônibus. Sim, porque é muito lógico que ele não poderia aplicar o golpe repetidas vezes nos mesmos lugares, sob o risco de desconfiarem e cortarem-lhe os rendimentos. Assim, embora conseguisse arrecadar pouco dinheiro por dia, era ganho garantido e suficiente para manter a vida como ela sempre havia sido.

Com o tempo, variou e aperfeiçoou sua atividade. Não importava quanto em moedas pedia para ser trocado por nota, o importante era o arredondamento de 5 centavos. Em tempos de maior ousadia, chegava a pedir que completassem 10 ou mesmo 15 centavos, conforme a situação favorecesse. Chegava a uma cidade qualquer, perambulava de estabelecimento a outro trocando seus dinheiros e, ao fim do dia - ou dos dias, dependendo do tamanho da cidade -, pegava um ônibus dos mais baratos e seguia o destino que ele mesmo havia traçado.

Décadas passaram-se e o homem, já idoso, guardava o segredo com todo o cuidado. Ninguém sabia quem era, de onde vinha ou o que fazia - e ele seria capaz de viver mil anos assim. O velhinho, enrugado e caquético, sabia-se o mais esperto e perseverante dos homens, tão simples e confortável em sua vida de ser feliz com tão pouco.