Conto Fantástico


Aquela era uma cidade daquele tipo pequeno e perdido no nada. Havia mais colorido de natureza do que sombra de urbanidade por ali – flores e bichos enfeitavam o lugar como nem é mais comum nos dias de hoje. Habitantes todos conheciam-se e reconheciam-se em paz uns com os outros: cada um sabendo do seu respectivo lugar na vida, sem ocupar ou invadir lugares que não lhe dissessem respeito.

Havia, entretanto, uma mulher destoante nessa cidade. Não integrava-se às rotinas costumeiras, inquietava-se com a pasmaceira do lugar, incomodava-lhe a falta de novidade qualquer que fosse. Desencaixava-se. Só o que fazia era escrever – escrevia e escrevia – várias histórias fantásticas em que todas as personagens eram uma só: uma mulher que ela descrevia com todas as características que julgava merecer para si.

Um dia, surgiu na cidade uma forasteira. Mulher estranha, toda vestida de negro, de poucas palavras e muito mistério. Bela e triste como chuva com sol no fim da tarde. Tinha expressão dura e jamais sorria, embora alguém mais atento pudesse descobrir naquela face um olhar terrivelmente doce. O que levou aquela mulher até ali? O que buscaria? O que quereria na pequena cidade?

A forasteira não parecia hostil nem digna de desconfianças. Sua presença, entretanto, incomodava os moradores pelo simples fato de representar um elemento incomum em vida deles. Não falava de si, não respondia a perguntas quaisquer, não parecia querer demorar-se por ali, o que para todos parecia ser um sinal de perigo. A capa negra que ela usava era uma sombra escura em meio ao colorido da cidade.

A mulher estranha que escrevia nunca tinha visto mulher estranha como aquela forasteira, mas era a única que não se incomodava com sua presença. Nunca haviam conversado até então, mas, antes de ir embora, a forasteira mandou seu recado: disse à escrevinhadora que voltaria para buscá-la, tão logo encontrasse um lugar ao qual fossem capazes de pertencer.

A mulher fingiu a todos não acreditar na promessa da forasteira, mas dentro de si contava as horas que sobravam para ser feliz ao lado daquela cujo nome desconhecia, mas a quem conhecia como se sempre houvesse sido sua. Ela dormia para sonhar que tudo já havia acontecido, cantava para avisar a ela que a esperava, escrevia em folhas avulsas seus contos fantásticos para distrair o tempo.

Quando voltou, a forasteira nem precisou de avisos, pois o vento que ela trouxe despedaçou as janelas, espalhou as folhas do conto pelo jardim, arrancou a roupa da mulher que escrevia e então ela sabia que sua personagem ganhara vida. Por muitos minutos, ambas encararam-se e a escrevinhadora não sentia-se em constrangimentos nem com medo daquela estranha. Sabia-se estranha como ela, sabia que já havia no mundo lugar capaz de pertencê-las.