Os Tigres


Era bela, era ágil, era forte e era a mais rara criatura daquele lugar, talvez de qualquer lugar, de todos os lugares. Era tigresa e tinha fome. Tinha uma fome tão grande que nem todas as presas do universo seriam capazes de saciar.

Mas, por estranhos instintos que sempre a dominaram, não alimentava-se de carne. Por saber-se insaciável, não achava justo que outros animais perdessem a vida para que tivesse somente algum prazer pequeno. Pensava que, se sua fome nunca acabava, não tinha o direito de acabar com a vida de ninguém, afinal, isso infringiria as sábias leis naturais que sempre organizaram a lógica da cadeia alimentar: animais carnívoros caçam para saciar sua fome. Então, ela, cuja fome era grande demais, evitava a convivência com os companheiros. Sabia-se controlada, mas preferia não arriscar a proximidade com eles, afinal, era como um vulcão contendo-se que, a qualquer movimento brusco de placas tectônicas desavisadas, poderia entrar em estado de fúria.

Era bela, ágil, forte, silenciosa e sozinha. E todos a admiravam e respeitavam muito por isso, embora se mantivessem distantes por não saberem direito como agir diante dela.

A tigresa alimentava-se de sonhos e de sombras, e sua fome mais aumentava a cada dia. Quanto mais se alimentava, mais fome sentia.

Até que um dia a tigresa se cansou. Aquela vida escondida e faminta não fazia sentido algum. Então, decidiu caminhar sem destino, ir aonde seus passos a levassem. Foi uma longa jornada, no tempo e no espaço, a ponto da tigresa se cansar de novo. Jornada assim comprida também não tinha sentido algum, ainda menos por causa da fome que sempre crescia.

Foi então que ela resolveu gastar suas últimas forças numa corrida contra si mesma. Se ficar parada era ruim e caminhar não melhorava, então correria até desaparecer. As pernas ágeis responderam à sua vontade e ela logo sentiu a brisa transformar-se em vento forte passando entre seu pelo. Correu tanto e tão rápido que pensou que era capaz de voar. E foi num arranco de maior velocidade que aconteceu a colisão.

Tempos depois, nenhum dos dois saberia dizer se haviam se passado segundos, dias ou anos, mas ambos retomaram a consciência e se encararam perplexos - eram espelho quase, tigresa e tigre, ambos silenciosos, sozinhos e, mais do que nunca, famintos.

Naquele momento, embora a fome deles fosse tão grande quanto o infinito, sentiam-se salvos. Devorariam um ao outro e achariam pouco, sempre tão pouco quanto o infinito jogado na imensidão do nada...