O Mentiroso


Mentia por não suportar a miséria interior que sentia ser a única verdade em sua vida. Mentia desde a mais tenra idade. Mentia tanto e há tanto tempo que mentia muito bem. Mentia tanto e há tanto tempo e tão bem que ninguém percebia. Mentia tanto e há tanto tempo e tão bem que convencia a si mesmo. E mentia tanto e há tanto tempo e tão bem que, um dia, suas mentiras passaram a se tornar verdade.

Chegava atrasado ao trabalho por ter passado a noite em bares e boemias – e mentia que se atrasara por causa de uma pane no carro. Na hora do almoço, encontrava o carro fundido. Levava-o ao conserto e pedia descontos e prazos – mentindo estar cheio de dívidas e à beira da falência. Imediatamente, perdia absolutamente tudo o que possuía de material. Voltava para casa mais cedo, ansioso e deprimido – e, para evitar questionamentos de esposa e filhos, mentia que os amigos o haviam chamado para um jogo de futebol ou coisa qualquer que fosse. Ao fim da noite, pode ser que alguma mentira o fizesse reaver os prejuízos que tivera ao longo do dia.

Assim eram seus dias, a vida transformada num amontoado de acontecimentos bizarros e estúrdios, inconstantes – às vezes o homem nem sabia mais que parte dele era dele mesmo.


Mentia tanto e há tanto tempo e tão bem que um dia quis ter uma mulher e, para conseguir tal intento, mentiu que a amava. Como ela não acreditasse, ele insistiu e fez promessas e jurou um monte de sentimentos insinceros – que, já sabemos, tornaram-se em verdade plena. Ainda assim – ou talvez justamente por isso – a mulher desconfiou, e o mentiroso jurou que a amava desde sempre e que a amaria para sempre.

A vontade de ter aquela mulher era tão grande que o homem mentiu mentiras grandes demais. Tão grandes que pararam o tempo e paralisaram seu poder de criar verdades. Tão grandes que a mulher teve certeza de que só poderia ser tudo mentira. E nem ela nem ninguém mais deu ouvidos a ele.

Desde então, o homem viu-se irremediavelmente apaixonado e sozinho. Louco! E jamais houve-se em coragem para mentir novamente.