Lembranças


Quando seus olhos encontraram-se pela primeira vez, tiveram certeza de que eram almas-gêmeas. Não sabiam explicar. Sabiam apenas. Sabiam-se. Simples assim.

Quando se amavam, olhavam-se nos olhos. E quando sentiam o clímax – sempre simultâneos – lembravam-se do que viveram numa existência anterior. Cada gozo trazia uma lembrança mais antiga, mas conclusiva para ambos. Um via nos olhos do outro o filme curto que resumia uma das vidas deles – sempre juntos pelos séculos afora.

Até onde a regressão seria possível no tempo? O que aconteceria quando não houvesse mais o que ser lembrado? Curiosidade era forte neles. Gozavam mais e mais para saber o que aconteceria quando chegassem às lembranças da primeira vida. Elaboravam hipóteses. Analisavam possibilidades. Talvez a primeira vida tenha acontecido numa outra dimensão, num outro planeta, em corpos de outras espécies não humanas.

Lembraram-se de épocas de guerras, de fugas como escravos, de clausuras... Lembraram-se de épocas em que suas idades divergiam, de regalias de nobreza... Houve vezes em que estiveram invertidos de sexo e outras em que compartilhavam do mesmo gênero. Houve até uma vez em que foram apenas bons amigos.

E, lembrando, amavam-se mais. E, amando-se, lembravam-se mais.

Até o dia em que o gozo foi interrompido por uma lembrança proibida. Quantas vidas haviam desperdiçado para que a pudessem esquecer? Quantas vidas ainda gastariam para esquecê-la de novo? Envergonhados, agora não conseguiam mais olhar-se nos olhos um do outro. E, sem troca de olhares, não era mais possível que se amassem, que se lembrassem...

Assim, perdiam mais uma oportunidade de viver a felicidade que o destino lhes reservara.