Lenda


Quando perguntam-me o que houve de errado, nem sei direito como responder. É algo que entendo com plenitude; sinto-me, contudo, incapaz de descrever ou explicar.


Era apenas uma borboleta, uma simples borboleta colorida em tons de roxo. Voava baixo perto de mim, procurando talvez o perfume suculento de flores quaisquer.

Meus olhos a viram e não mais conseguiram desviar-se daquela dança cheia de asas lilásicas. Eu ainda não sabia, mas a hipnose provocada por aquela dança aérea já havia tomado conta de mim.

Nem percebi que ela aproximava-se. De repente, pousou em meu nariz e eu – que estivera, até então, em estado de estúpida hipnose – vi-me agora em estado de irremediável paralisia. Apenas sentia as patinhas dela caminhando pelo meu rosto, às vezes um suave bater de asas que a levava a outra parte de mim... Depois de novo as patinhas e de novo as asas.

Ela explorava rosto, pescoço, braços e costas... Batia asas em cílios e fazia cócegas com elas em orelhas... Enroscava-se em pelos de peito e pernas e eu já nem sabia mais se suportaria tortura tão doce como a que ela me fazia.

Aquela borboleta estúrdia desbravava meu corpo como um bandeirante ávido por riquezas de Eldorado. Eu já nem sabia mais se suportaria a falta daquela doçura tão torta que ela me fazia. E eu me perguntava, o tempo todo, que borboleta é essa que tem garras?

Então, quando perguntam-me que foi que houve de errado, como afinal eu me perdera naqueles prados, que poderia eu responder?!

Pois que nada de errado jamais houve. Apenas tornara-me voluntariamente refém das garras invisíveis de uma certa borboleta – depois de já ter me perdido para sempre em olhos dela.