Complexo


Era uma vez uma borboleta com complexo de menina. Isso mesmo, não me confundi não, era borboleta com complexo de menina. Olhava-se em reflexos de água ou sombra e não era capaz de ver suas asas – as cores todas que havia nelas – nem sabia da sua capacidade de voar alto, para onde quisesse, brincando com as flores e dançando com o vento.

Todo mundo via aquela borboleta andando pelo chão e não entendia por que ela – tão linda que era – insistia em não alçar seus voos. A borboleta, por sua vez, achava-se incoerente, contraditória e ambígua, como uma típica menina humana. Às vezes, considerava-se até dissimulada e má, como uma menina humana típica. Tinha dia que se achava romântica, carente e fraca, como uma menina tipicamente humana.

Pensava-se incapaz de flutuar pelos ares, de polinizar as flores e ser parte da natureza. Isso a entristecia um pouco, mas o que podia fazer se era apenas humana?! Então, achando-se isso e aquilo, acabava perdendo-se em si – perdendo-se de si.

Embora todos soubessem que aquela criatura era uma linda borboleta e tentassem alertá-la, era sempre em vão: ela mesma pensava ser uma simples menina e o caso estava encerrado. Ora, no fundo, ninguém é o que parece ser, pois que todo mundo acaba se tornando aquilo que, no fundo, pensa que é.

Quando a borboleta descobriu-se em engano, quando enfim notou-se inseto transformado em beleza, já haviam arrancado-lhe as asas. Não deixava de ser borboleta, mas agora já era tarde demais para querer voar...