Fantasia


Este ano seria diferente. Ah, seria mesmo. Há dias sentia que uma mudança radical e irreversível aconteceria em sua vida. Agora, em pleno carnaval, percebia que essa mudança precisava acontecer imediatamente. Não suportava mais tanta angústia e solidão. Era necessário, era fundamental, era irremediável que se transformasse.

Todo ano era a mesma coisa: ansiava pela chegada do carnaval, confeccionava a mais linda fantasia, cantava, dançava e pulava nos bailes da cidade e, por fim, quase morria de tristeza quando a festa se acabava. Toda a expectativa e a agitação dos dias de folia eram substituídas por um vazio imenso e insuportável.

No início, acreditava que a fantasia tinha uma influência mística nos acontecimentos da festa e no seu próprio destino, por isso já havia se vestido de fantasma, palhaço, imperador, marinheiro, pirata e todos os super-heróis de que pôde se lembrar ao longo de todos esses anos. Experimentou cada uma dessas fantasias com atenção e sinceridade, tentando descobrir qual havia lhe trazido a melhor sorte.

Agora, no entanto, reconhecia que todos os carnavais de sua vida foram iguais, independente da fantasia que usou em cada um deles. Pensando bem, os carnavais não foram exatamente iguais: na verdade, a situação foi se tornando desagradável aos poucos, embora nos últimos anos tenha sido pior, muito pior.

Na última década, fantasiara-se apenas de pierrô e de arlequim, convencido de que a beleza poética da comédia italiana lhe inspiraria a viver aventuras e paixões. A despeito, entretanto, de toda a sua crença na energia das personagens que vestia, aconteceu justamente o contrário: sofreu decepções inesquecíveis e traumáticas, que lhe faziam sofrer durante todo o resto do ano.

Neste ano, porém, seria diferente. Haveria uma mudança. Operaria uma transformação inimaginável em sua vida. Tomaria uma atitude que mudaria para sempre seu destino. Celebraria o carnaval mais incrível e fascinante de toda sua existência e, finalmente, poderia ser feliz.

O carnaval deste ano seria o melhor de todos, especial como sempre deveria ter sido. Não iria se vestir de palhaço ou pirata; tampouco de pierrô ou arlequim. No carnaval deste ano, definitivamente, ele seria colombina.