Das Simplicidades de Ser


Era borboleta. Bela e frágil como todas, capaz de metamorfoses inacreditáveis e definitivas. Sempre que era preciso, que era possível, elas aconteciam – as metamorfoses. Só há metamorfose naquilo que é forte o suficiente para suportar-se em mudanças.

Queria um lugar no mundo. Não um pedaço de terra, terreno ou território no planeta Terra. Um jardim não era o que queria. Não tratava-se disso. O que queria era um lugar onde pudesse existir – lugar infinito o suficiente para preenchê-la, longínquo tanto quanto ela era, profundo e belo como só a simplicidade simplesmente mais pura e simples pode ser.

As simplicidades. Tudo que é simples é rico de integridade, pois que o natural das coisas carrega a essência do que deve ser, do que não tem que se justificar... Tudo que sofre de muito ser acaba sempre sendo a alegria de sempre ser...

A flor é bela, perfumosa, cheia de cores cuja alegria é intrínseca. A flor, de tão simples, carrega em si a alegria de ser. Ela tem seu lugar, tem sua terra. A flor se encontra onde ela sempre está, é o centro de seu próprio universo. Está onde sempre se encontra.

Um dia houve o encontro. Nesse dia, a alegria tornou-se uma possibilidade muito mais próxima do que qualquer outra coisa concreta que se pretendesse. Doçura e delicadeza que de tão intensas eram até capazes de construir universos completos, com todas as dimensões possíveis.

Simples a borboleta já era, portanto, íntegra. O que lhe faltava era o lugar para ser, como a flor já encontrara o seu. Pois que a alegria existe, mas também precisa de lugares. Talvez somente numa dimensão ilimitada ela encontrasse espaço para respirar, para cantar e dançar, para pensar e voar com suas asas de borboleta, asas roxas, delicadas e sublimes, tão fortes e seguras quanto o pensamento de que é feito tudo aquilo que sempre foi.

Era borboleta, não era flor. Então, terra não era para ela. Talvez o ar sim. Talvez o ar fosse lugar dela ser, a menos que - flor e ela - sofressem da metamorfose que as transformasse em eternidade.

Descobria-se assim, aos poucos. Descobria a profundidade maior de tudo o que existia por perto, por longe, por todo lado dela. Era também o centro do universo – do seu.

Era ela tudo aquilo que há entre a imensidão do que não é, a infinitude das questões e a integridade dos mundos... Borboleta cuja alegria se formava de voo, de vento, de pouso, do toque macio e do cheiro meloso da flor, de tudo o mais que vivesse.

Alegria em que se tornavam, patas nas pétalas. A mistura de borboleta e flor, boca da borboleta no copo da flor. Tudo simples, natural, encaixe perfeito, mistura de cores e cheiros e sons que pareciam estar ali desde sempre, esperando, ansiosos apenas por serem sentidos.

A flor já nascera beijada, ainda que o encontro com a borboleta só agora se desse. A borboleta sempre houvera-se dona de seu lugar, embora nem o houvesse encontrado ainda.

Certo dia, a flor agradeceu as alegrias divididas, com todo o coração é que o fazia. A borboleta respondeu com a doçura que aprendera da flor. Agradecer o quê, se nada somos além da simplicidade mais pura que só pode sofrer de alegria conjunta?!